sexta-feira, 4 de junho de 2010

AS KOISAS KOMELASSÃO — Seja Feita a Vossa Vontade


Seja Feita a Vossa Vontade
Amarra-se o burro à vontade do dono.

Por Irênio de Faro

Quando Joaquim Pinto de Chirra foi nomeado assessor-chefe de comunicação social de um órgão de classe empresarial, jamais imaginaria que teria de se envolver com uma série de estranhos acontecimentos.
Nomeado por indicação do irmão, presidente de um sindicato ligado à organização, Joaquim era tratado a pão-de-ló, mas queixava-se de nada ter o que fazer.
— O senhor me perdoe, doutor Clércio, mas estou pensando em pedir demissão, não é do meu feitio passar o dia inteiro lendo jornal, olhando para as paredes, ou conversando com o pessoal.
— Não faça isso, senhor Joaquim! — pediu o superintendente. — Resolvo seu caso agorinha mesmo!
— Como assim?
— É só ficar em casa, e pronto! Quando eu precisar do senhor, passo a mão no telefone e convoco-o! O senhor continuará recebendo normalmente seus proventos, é só passar por aqui no penúltimo dia útil de cada mês, não terá prejuízo algum!
— Mas ...
— Não me crie problemas, senhor Joaquim! Tenho seu irmão na mais alta conta, faço questão de manter o senhor na nossa folha de pagamento. E agora, se me permite um conselho de pai para filho, vá pra casa, fique numa boa e não me encha mais o saco!
Em parte, o jornalista compreendia o empenho do Dr. Clércio, em mantê-lo, pois seu irmão, na qualidade de dirigente máximo sindical era um dos que elegiam a diretoria da organização, daí a troca de favores.
Oito meses depois, a primeira convocação. Joaquim atendeu mais que depressa:
— Finalmente, vou ter o que fazer!
Clércio recebeu-o, afável como de hábito, mandou que se sentasse, pediu água gelada e cafezinho para os dois e, após um breve bate-papo, exibiu um contrato firmado com a Rádio Globo.
— Decidimos patrocinar uma série de doze programas diários para divulgação de nossa organização, senhor Joaquim e, por isso, mandamos redigir um contrato, com a Rádio Globo, coincidentemente já assinado por mim e pelo superintendente deles. Ocorre que, segundo nossos estatutos, este documento só terá validade jurídica se nele constar o seu de acordo, melhor falando, o de acordo do assessor-chefe de Comunicação Social.
Zeloso, competente e profissional na acepção plena do vocábulo, Joaquim apanhou o contrato e pôs-se a lê-lo, findo o que deu sua opinião.
— Bom, eu acho que ...
— O senhor não acha nada, senhor Joaquim, aqui quem acha alguma coisa sou eu! Por isso, pegue esta caneta, escreva as duas palavrinhas de acordo, no finzinho do documento, assine e date! — interrompeu Clércio, com a habitual autoridade.
— Mas, eu ...
— Assine, senhor Joaquim! — tornou Clércio, passando-lhe a caneta.
O jornalista refletiu rapidamente, chegou à conclusão de que nada havia de irregular no tal contrato, e que não lhe adviria nenhuma conseqüência danosa, caso concordasse com o mesmo. Discordava, isso sim, do horário em que o programa iria para o ar, aquilo mais lhe parecia uma operação de atirar dinheiro pela janela, mas como a grana não lhe pertencia, por que esquentar a cabeça?
Apanhou a caneta, sapecou as duas palavrinhas mágicas, assinou, e ainda recebeu um abraço e um afago do Clércio.
Passados quatorze meses, uma nova convocação.
— Venha depressa que é coisa urgente, doutor Clércio está agoniado! — disse-lhe a secretária ao telefone.
Dessa feita, o assunto era particular: o superintendente era presidente de uma pequena sociedade anônima, que produzia, num subúrbio, peças para a telefonia celular.
— É o seguinte, senhor Joaquim! Preciso convocar uma Assembléia Geral Ordinária da minha empresa, para o próximo dia vinte, e de acordo com a lei, quero que o senhor me publique o edital de convocação no Diário Oficial e num jornal de grande circulação, na Gazeta da Terra, mais especificamente!
O velho espírito profissional voltou a se manifestar e Joaquim argumentou:
— Faça-me o favor, doutor Clércio, a Gazeta da Terra ninguém lê, acionista algum vai ler sua convocação!
— Exatamente o que eu quero, senhor Joaquim! — exclamou o superintendente com um sorriso maroto.
O jornalista deu de ombros, apanhou as cópias do edital e encaminhou-as à publicação, tal e qual determinara Dr. Clércio.
Estava cumprida — e bem cumprida — , a tarefa de mais uma convocação.

FIM

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